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AMF - associação massa falida

A primeira parte da tragédia/

La première partie de la tragédie

20.02.16 - 02.04.16

 

 

 

 

Associação Massa Falida é composta por Pablo Vieira (1989) e Silvio de Camillis Borges (1985).  Baseados entre São Paulo e Rio de Janeiro, a dupla trabalha juntos desde que se conheceram no bacharelado em artes visuais pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

 

Transitando entre diversas técnicas e linguagens, os artistas criam estruturas e situações que investigam noções de serviço, consumo, trabalho e lazer em nossa sociedade contemporânea. Com apurado espírito crítico, eles abordam temas densos com humor e vitalidade. No vídeo Vesper, por exemplo, enquanto recriam de maneira jocosa o famoso drink do James Bond no livro Casino Royale, exploram o momento de inflexão entre a atividade lúdica, o hobby, e o trabalho. O pano de fundo é saber quando a técnica é culturalmente relevante e quando ela é mera atividade de subsistência, uma questão de difícil equilíbrio e certamente relevante no dia a dia dos artistas. 

 

 

Em outras obras eles combinam engenharia e design, e os materiais não são escolhidos em função de suas propriedades físicas – como tradicionalmente se espera de uma escultura – mas sim de seus significados. Não há interesse em produtos finais que possam ser produzidos em massa mas sim em coisas que possuem uma singularidade própria. Ao utilizarem objetos e sistemas cotidianos, lhes conferem uma nova função simbólica na qual a lógica interna transcende os elementos, assim ressaltando as entrelinhas conceituais e o subtexto político dos trabalhos num livre jogo de entendimento.

 

Essa exposição não conta uma história e não há de se falar num argumento artístico estanque e definido. Estamos diante de uma espécie de prólogo, artifício literário que começa uma história mas, mais do que mera introdução preambular, implica a anunciação de uma tragédia. Ante um horizonte de esgotamento ambiental, político e econômico, os trabalhos aqui reunidos parecem tencionar o estado de suspensão em que nos encontramos enquanto observamos impassivelmente os presságios do colapso total. A escultura Dessemelhante, protagonizada por uma panela de pressão ligada, desencadeia esse clima. Sob o receio natural do espectador de que a panela pode explodir a qualquer momento, a pressão se constrói dentro dela até o ponto da quase explosão, da iminência do caos, para então ser dissolvida no ar pela liberação da válvula de segurança, num loop de estados muito similar às [angústias][borbulhas] do caldeirão social contemporâneo.

 

Significante e significado parecem flertar com a nossa imaginação quando nos deparamos com as obras expostas, que são menos para serem contempladas do que interpretadas. Nesse sentido, o espaço expositivo configura-se como um verdadeiro campo de força micropolítico que exige do visitante uma postura ativa (apesar do duo não explicitar suas intenções). Longe de existirem de maneira autônoma, essas obras materializam-se dentro de uma rede de percepções e representações de modos de ver o mundo e portanto se ajustam às idiossincrasias de cada um. Aí reside o potencial da experiência artística que a AMF oferece. Cabendo a nós a conclusão do trabalho, é uma experiência de cunho político que enseja rupturas na subjetividade de quem vê. Essa abertura fica evidente na escultura de parede Chapa Quente. O calor emitido pela resistência elétrica queimará o boné até ele sumir. O boné, por sua vez, foi escolhido por representar um adereço típico do trabalhador comum, que frita a cabeça com os dissabores do cotidiano. Em seu deslocamento de São Paulo para Paris, como ele será traduzido e reinterpretado diante do público inédito? De que modos suas leituras podem ser ampliadas? E, mais importante, o que acontecerá após o boné tornar-se cinzas?

 

 

Dentro do complexo jogo de forças invocado pela dupla de artistas nesta exposição, o trabalho Sem Título nos faz inclinar sobre o porvir. Com o uso de uma caixa de luz podemos ver 20 slides contendo desenhos de projetos dos artistas que possivelmente um dia serão realizados. São singelas esperanças para um futuro incerto, e a falta de clareza do escuro papel carbono em contraste com a luz indica a turbidez pela qual enxergamos e pensamos o amanhã. Há aqui uma tentativa de escapar a imobilidade do presente, criando uma obra de arte a partir de ideias para outras obras, ou melhor dizendo, a partir das fantasias próprias da AMF. Seria possível, então, em meio ao desalento do progresso civilizador, pensar numa história para seguir daqui que não seja a tragédia? Há espaço em nós para a impossibilidade da utopia ou estamos presos à mera resignação cínica de nossa condição? Vivemos nosso prólogo?

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